Cinema escondido: história subterrânea da cidade

9 01 2013

Certas coisas só se revelam no mato. Na selva ou na roça.

Pois foi assim, em Mato Grosso dos Anjos, na zona rural de Bela Vista de Minas, com mato em volta, que o senhor José Paulo Carvalho Lage, irmão de Ronaldo Carvalho Lage (um dos trilheiros da turma do Mato Adentro), revelou uma fatia oculta da história de Monlevade: o Cine Santa Isabel.

Monlevade, São Geraldo, tudo isso são cines devidamente catalogados, a ficha posta na história. O Santa Isabel, não.

Pelo que entendi – apesar de estar assim meio atrás, fotografando enquanto andava, quase de soslaio, quase fora da conversa -, o Santa Isabel ficava na avenida Getúlio Vargas, esquina com rua Ayres Quaresma, nesse pedaço da cidade que, mais tarde, bem mais tarde mesmo, passaria a ser chamado de centro comercial. Vá lá: pra nós, gente quase das antigas, é tudo Carneirinhos.

Mas importa que o seu José Paulo era lanterninha e porteiro do Santa Isabel e, segundo a conversa, a partir das 22 horas rolava a sessão Privé, só pra homens. Era o horário dos filmes onde as mulheres mostravam os mamás (ou seios, como diziam do lado de fora da sala de exibição).

E não se sabe se por causa dos mamás ou dos seios, do Santa Isabel não se fala; só dos outros (Monlevade, São Geraldo).

Cidade oculta: esta.





Manual

8 01 2013

Eu tive uma Olivetti Lettera 32 (acho que era este o número do modelo) lá pelos anos 70 do século passado. Era vermelha pra combinar com o local onde ficava, no meu quarto na casa de meus pais. Aí hoje esbarrei com essas instruções de uso da Lettera 22. E esse encontro me tocou, já que, cara estranho, leio manuais. Quem lê?

retronaut

Confira: http://www.retronaut.com/2012/10/olivetti-typewriter-manual-1950s/





Lamarque

1 12 2012

“Não queria homenagem por fazer 70 anos. (…) Acho um pouco chato isso, parece que só o que você tem é uma idade. É uma tolice, não gosto. Mas sabe o que podia ser feito e não foi? Um esforço pelas redes sociais para descobrir quem no mundo tem a edição inglesa do meu primeiro disco gravado em Londres. Porque a edição brasileira tem um corte em “A little more blue”, feito pela censura. Eu fazia uma menção à (atriz argentina) Libertade Lamarque e eles pensaram que eu estava pedindo liberdade para Lamarca (risos).”

(Caetano Veloso a Leonardo Lichote n’O Globo – LEIA MAIS.





Calma, tio, isso é relativo!

28 11 2012





Dois homens tortos

28 10 2012

Texto escrito para o jornal “O Cometa Itabirano”, especial Carlos Drummond de Andrade, outubro/2012.

Wir Caetano, 10/10/2012

Wir Caetano

Foi ainda adolescente, eu sentado entre outros adolescentes sob a tutoria de um douto ex-seminarista, que um Andrade das letras me visitou pela primeira vez. Era em meados dos anos 1970, e li um poema chamado “As Três Graças”, bacana, que escrevi inspirado pelas ousadias e galhofas do paulista Oswald.

Eu entrara prum grupo de jovens e não tão-jovens que se iniciavam em verso e prosa com um professor dando as cartas e puxando outras, mais precisamente puxando as cartas que eu tinha na manga. Na manga, além de Oswald, eu tinha o senhor Carlos Drummond de Andrade, que o ex-seminarista detestava.

“É por causa de gente como Carlos Drummond, que uma poetisa boa como a fulana fica na sombra”, disse o professor um dia, enquanto retirava qualquer atenção de minha poesia torta, guache naquele bairro um tanto operário, ou nem tanto, de João Monlevade.

Reuniões a fio, o professor foi me detestando cada vez mais, até me detestar de vez, como detestava o itabirano Carlos Drummond de Andrade.

Cada vez mais, eu e o itabirano ficávamos mais próximos um do outro, pra trocarmos nossas confidências (as itabiranas dele, as monlevadenses minhas).

Tão próximos ele e eu, que até algumas pessoas nos confundiam. “É o Drummond da geração dele!”, disse um alguém sobre mim ao falar de poemas meus a amigos, numa noite de gafieira e bebedeiras em Belô, nos anos 1980. Era nada. Magrelo e esquisito como Drummond eu era mesmo. Mas poeta como ele, aiai!

Mas, mesmo não sendo assim aquele Drummond de Andrade, eu me amparava no itabirano, sim, já que meu espírito era assim, torto, e um bom jeito de não ir ladeira abaixo – e pobrezas abaixo nesse mundo de doutos e solenidades – era me amparar num ombro amigo, mesmo que de um cara um tanto esquisito.

Tão esquisito como eu. Tanto que o itabirano tinha lá seu tanto de pontual funcionário público e se, como eu, odiava homenagens à sua magra pessoa – e nem voltava a Itabira pra não ser recebido com carro de bombeiros e foguetório -, não abria mão de alguma homenagem aos bens e ao sangue. Vejam isto:

“Segundo Carlos Cruz [diretor do jornal ‘O Cometa Itabirano’], o poeta chegou a lhes pedir um lobby para atribuir o nome de seu pai, Carlos Paula Andrade, a alguma rua. A solução da prefeitura foi bastante doméstica: dividiu a avenida Carlos Drummond de Andrade em duas, renomeando uma das metades com o nome do pai do poeta.”

Essa confidência entre aspas está numa matéria minha publicada em 18 de outubro de 1998 num jornal belo-horizontino. O poeta, vejam só, queria seu pai de volta a Itabira.

Entender? Gente torta é assim mesmo.





O médico de Paulo

30 09 2012

“Méu médico me disse que minha saúde está ótima. Em 30 anos, consigo acabar o trabalho”. Isso o tradutor baiano Paulo César de Souza disse a mim em entrevista publicada no jornal “O Tempo” em 04 de janeiro de 1999, que tinha com foco o lançamento de um livro dele, o “As Palavras de Freud e suas versões”, obra em que se debruça criticamente sobre traduções de textos do pai da psicanálise.

A frase traduzia o plano de Sousa de traduzir toda a obra do dr. Sigmund.

Eu me lembrei disso hoje ao abrir a “Folha de São Paulo” e ver referência a “Totem e Tabu” como “destaque do volume de 11 das obras completas traduzidas por Paulo César de Souza”, pela Companhia das Letras.





Sorvete

23 09 2012

Cresci na periferia de Monlevade, numa casa de quintalzão. Grana não tinha, mas tinha quintalzão, onde brotava fruta de tudo quanto é lado. Resultado: doces. Pra que as frutas não caíssem todas e se “perdessem” – aves, insetos e até o chão talvez usassem outro verbo -, minha mãe transformava boa parte delas em doces.

Daí, de tanto comer doce nos tempos em que eu vivia “em situação de criança”, tenho hoje ligeira indiferença por esse tipo de iguaria. Mas minha reação é bem outra – leia-se: animadíssima – quando a palavra-chave é SORVETE.

Então, o jornal “O Tempo” preparou pra mim um cantinho na edição de hoje, mesmo eu não sendo um assinante.
Vai entender:

http://www.otempo.com.br/noticias/ultimas/?IdNoticia=362293 





A luz cai com a gravidade

28 08 2012

Ao ler hoje sobre notas de viagem de Corbusier no Brasil, dos anos 1920, me lembrei do sol da região de Venda Nova, onde morei em meus tempos belo-horizontinos, uns 15 anos atrás. De manhã, creio pela falta de edificações muito altas no bairro onde morava, perto da Lagoa do Nato, o sol costumava ser muito claro, rasgado. E aí me lembrei de uns versos que escrevi nos tempos de faculdade, pra virar canção. Os versos se perderam, só tenho uns traços na memória. Algo assim: “a luz cai com a gravidade/ sem vontade, sem clareza”. Algo assim, acho. Um tanto turva essa memória, com sol quase nenhum.





“A linha e o linho”

26 07 2012

Norma, a cantora

A Norma, cantora boa de sambas ao acaso nas noites de Monlevade, passou a meu filho umas fotos pra que ele repassasse a mim. Animada pelo furor fotográfico do Mato Adentro, ela queria que eu visse uns registros de pôr do sol entre muitos cliques dela por aí. Mas, enquanto navegava entre as imagens, não resisti a esta, que me fez me lembrar de minha infância no bairro Pedreira, minha mãe, carretéis, agulhas, linha e linho.





Bastidores da cultura monlevadense que nossos pais não contaram

13 07 2012

1) Em fins dos anos 70 ou início dos 80, fiz uma pergunta importante ao então vereador João Bosco Paschoal. Empresário da área de eventos, ele promovia muitos shows na região.

Aí eu perguntei ao João por que, a Itabira por exemplo, ele levava nomes como Alceu Valença e Zé Ramalho, nordestinos que ganhavam o Sul na época, enquanto, a Monlevade, trazia, em sua maioria, apenas artistas ditos “de massa”, de forte apelo comercial.

Ele me disse que era porque, em Monlevade, não tinha público para aqueles “mais refinados”.

2) Eu tinha uns 18 anos quando comecei a trabalhar com Tavim (Otavio Viggiano), na revista “Nega”, focada em charges e outras formas de humor, se inspirando, ainda que de longe, no “Pasquim”.

Um ano depois de criá-la, ele abandonou o projeto e lançou a “Mostrar”, comportada, de jornalismo “sério”. Tavim disse que o público monlevadense não recebia bem a irreverência da “Nega”, que ele já tinha feito em outra cidade, acho que Caratinga.